Quando os diásporos são vestígios: estudo de caso no sul do Brasil


Resumo

Um cadáver humano com sinais de violência física foi retirado das águas do Lago Guaíba, próximo à zona portuária do cais central em Porto Alegre. A vítima trouxe, aderidos às vestes, vestígios de vegetais terrestres, entre outros achados de interesse criminalístico. O exame mais apurado do material vegetal revelou tratar-se de um tipo de “pega-pega” e outra espécie de “carrapicho”, ambos aderidos na face externa do terço superior das calças. Tais estruturas eram pequenos frutos secos, que possuem cerdas ou ganchos utilizados para adesão aos pelos de animais, ou, eventualmente, ao tecido das roupas humanas. Algumas plantas apresentam tal estratégia para disseminação de suas sementes, chamada de dispersão epizoocórica. Conhecendo tal mecanismo de propagação das plantas que geram diásporos, o endemismo e tendo dados de ocorrência das espécies identificadas, poderíamos inferir onde teria sido o local original de violência contra a vítima, que foi localizada boiando no canal de navegação do Guaíba. Elaborado a partir de um caso real, conhecimento taxonômico e pesquisa bibliográfica, o presente trabalho busca dar subsídios para o reconhecimento de diferentes espécies de plantas produtoras de diásporos no âmbito forense, relacionando a identificação da espécie à zona de distribuição e de ocorrência. O caso estudado destaca a epizoocoria no contexto da botânica forense, além disso, salienta a imprescindível interação de peritos criminais com botânicos taxonomistas na correta identificação dos vestígios, para que tais conhecimentos possam servir como mais uma ferramenta na elucidação de crimes.

Palavras-chave

Botânica Forense
Epizoocoria
Dispersão
Local de Crime

Referências

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Copyright (c) 2017 Revista Brasileira de Criminalística

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Autor(es)

  • Evandro Gomes Da Silva,
  • C. A. Mondin,
  • Evandro Gomes Da Silva

    Instituto-Geral de Perícias

    Possui graduações (Bacharelado e Licenciatura) em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2001 e 2004); Especialização em Biologia e Genética Forense, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2012); Mestrado em Ciências Biológicas - Bioquímica, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003) e Doutorado em Ciências Biológicas - Bioquímica, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2007). Desde 2005 é Perito Criminal - área Biologia, do Departamento de Criminalística (DC) do Instituto-Geral de Perícias (IGP). Como Perito, atuou até maio de 2012 no levantamento, coleta, análise e interpretação de vestígios encontrados em locais de crimes e/ou atentados contra a vida humana, produzindo os respectivos laudos técnico-periciais com o estudo do corpo de delito, com o mecanismo e dinâmica dos fatos, proporcionando a prova técnica-pericial que instrui inquéritos e processos. Após, laborou até novembro de 2013 na Seção de Físico-Química, caracterizando e identificando armas de fogo das mais variadas espécies e procedências. Utilizou ensaios físicos e químico-metalográficos, além de abordagens micro e macroscópica para definir em laudo técnico-pericial a natureza e identidade do armamento periciado. Atualmente, exerce suas funções de Perito Criminal, na Seção de Perícias Ambientais, onde atende as solicitações de perícia em locais de crimes contra a fauna, contra a flora e crimes de poluição. Tem experiência nas áreas de Criminalística, Entomologia, Bioquímica, análises laboratoriais, modelos animais e in vitro, Bioquímica Ecológica, Botânica aplicada e Metalografia, tendo atuado, principalmente, nos seguintes temas: radicais livres, toxicologia, extratos vegetais, diabetes, local de crime, entomologia forense, metalografia e epizoocoria forense, geoprocessamento e crimes contra o meio ambiente.

    C. A. Mondin

    Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Instituto do Meio Ambiente, Porto Alegre, (RS) Brasil